18 Fev 2021 | domtotal.com
A oposição, assim como boa parte dos cronistas políticos, parece incapaz de discernir a realidade e a ficção
Jorge Fernando dos Santos
Repercutiu consideravelmente, nas redes sociais, o programa Manhattan Connection da semana passada, agora transmitido às quartas-feiras, pela TV Cultura de São Paulo. O rebuliço ocorreu por conta da grosseria do "antagonista" Diogo Mainardi contra o ex-prefeito e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência da República em 2018.
Com a sutileza de um paquiderme em loja de cristais, estilo que lhe é peculiar, Mainardi ultrapassou os limites da iconoclastia ao atacar Haddad sem clemência. Frio e calculista, o petista não perdeu a pose nem a elegância e acabou saindo por cima. Equilibrando-se entre a ironia e o cinismo, conseguiu deixar seu inquiridor com cara de "apelou, perdeu".
Contudo, Haddad não respondeu à pergunta feita pelo jornalista. Isto é, não disse se de fato será candidato em 2022 ou apenas um poste de Lula, como na eleição passada. Mainardi o alertou que, se repetir o erro, será novamente derrotado por Bolsonaro. Em outras palavras, o bolsonarismo, ao que tudo indica, continuará se alimentando do anti-petismo.
Toma lá, dá cá
Enquanto o Brasil afunda no lodaçal das crises sanitária e econômica, uma coisa se torna cada vez mais óbvia e ululante: a oposição, assim como boa parte dos cronistas políticos, parece incapaz de discernir a realidade e a ficção. Em meio ao ideal e ao real, ao ativismo cego e às paixões ideológicas, a notícia e o palpite se misturam e acabam confundido a opinião pública.
Bolsonaro é consequência da recente história política do país. Imerso na vida parlamentar ao longo de três décadas, o ex-militar, que chegou a ser julgado por terrorismo, aprendeu cedo a nadar no pântano da politicagem, onde persiste a filosofia do "toma lá, dá cá" ou do "é dando que se recebe". Elegeu-se presidente graças às trapalhadas petistas, prometendo moralizar o país. O que se vê agora é exatamente o contrário, não bastasse sua retórica neofacista.
No momento em que a imprensa acendia holofotes sobre a hipotética candidatura de Rodrigo Maia à reeleição na presidência da Câmara (algo vetado pela Constituição), Bolsonaro já comprava votos para Arthur Lira. Tão logo o STF bateu o martelo contra Maia, Baleia Rossi despontou como fraca alternativa da esquerda. Apoiado por 11 legendas, Lira ganhou de lambada. De quebra, o governo venceu também no Senado, elegendo Rodrigo Pacheco para a presidência da casa e do próprio Congresso. Afinal, a oposição desunida sempre será vencida.
À prova de golpes
Seja lá como for, fato é que a Carta Magna de 1988 aumentou os poderes do Legislativo. Ulisses Guimarães chamou a isso de "constituição cidadã" ou "à prova de golpes". Se quiser dançar conforme a própria música, resta ao Executivo comprar os parlamentares. Para quem não leu Maquiavel, Bolsonaro até que se superou, lançando mão da mesma estratégia usada em outros tempos por Sarney, FHC e Lula. Collor e Dilma caíram por não fazer o mesmo.
Isso mostra a miopia da oposição. Além de ter o rabo preso, ela insiste em ver a árvore sem enxergar a floresta. A continuar desse jeito, Bolsonaro realmente não terá dificuldades para conquistar o segundo mandato. Se de um lado a esquerda insiste no nome de Lula (ou de Haddad, novamente como um poste sem luz própria), de outro os sebastianistas de direita aguardam a candidatura de Sérgio Moro como salvador da pátria.
Há que se levar em conta duas coisas, nesse cenário: em primeiro lugar, se o anti-petismo ainda é maior que o anti-bolsonarismo, isso se deve muito ao comportamento de Lula, que não deixa o partido caminhar com as próprias pernas; em segundo, Moro dificilmente será candidato. O ex-juiz viu o diabo de perto e, a exemplo do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, ele sabe que não conseguiria nadar contra a corrente sistêmica – caso fosse eleito.
Até agora, só existem duas alternativas capazes de ameaçar Bolsonaro em 2022. A primeira seria uma frente de esquerda liderada por Ciro Gomes, ancorada numa aliança entre PDT, PSB, PT, PSOL, PC do B e a Rede. A segunda seria uma chapa de centro, com João Dória e Luiz Henrique Mandetta numa dobradinha quase imbatível. No entanto, dificilmente os interesses pessoais e partidários serão deixados de lado em benefício do país.
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