10 Mai 2022 | domtotal.com
Fazem partes das chamadas minorias éticas um determinado número de pessoas que a compõem
Newton Teixeira Carvalho
Fazem partes das chamadas minorias éticas um determinado número de pessoas que a compõem, sem que lhes seja, na sua formação, pedido o consentimento. E tais pessoas conseguem viver, em seus próprios mundos, acabando por aderir, espontaneamente (ou por falta de opção), a este modo de vida.
Existe neste tipo de convivência o que se chama de “valores comunais”, considerando que há um pertencimento não espontâneo ao grupo, cuja saída é difícil e tem algumas consequências, caso a pessoa não acabe aderindo a esta proposta de vida. Portanto, esta á a nossa crítica às minorias étnicas, que pode modificar este modo de conduta, para perder o rótulo de fundamentalistas. A adesão espontânea é sempre bem vista e democrática.
Não estamos, com isto, dizendo que todos os participantes destes agrupamentos de pessoas não sejam felizes e muito menos afirmando que elas não devam existir. Ao contrário, com algumas adaptações, aqui suscitadas, devem ser respeitadas e perpetuadas.
Sabemos também que há muitas adesões espontâneas, inclusive dos nascidos nestas comunidades, e que não querem deixa-las. Porém, nossa preocupação é com o fechamento destes grupos, ao não aceitar interferência externas, em suas vidas. E, parece-me que deveria ser opcional continuar ou não na comunidade. Nada que é obrigatório, impositivo, pode ser visto com bons olhos.
Lado outro, este recolhimento, este fechamento, é limitação imposta ao que acontece do lado de fora, ou seja, o grupo étnico não aceita as mudanças desta, chamada por Bauman, sociedade líquida e, portanto, constroem (ou tentam construir) o seu próprio mundo, não aceitando muitos dos acontecimentos atuais.
Assim é que “minorias étnicas” são entidades sociais diferenciadas, advindas do contexto social, refúgio de um número determinado de pessoas que acabam não aceitando a convivência em um espaço maior e com muita liberdade. Entretanto, democraticamente falando, o questionamento continua sendo quanto ao direito de sair do dissidente, bem como a ausência de liberdade em expor o pensamento individual de cada um e de discordar da liderança desta comunidade.
Nota-se também que em questionamento, pelas minorias étnicas, o próprio Estado/Nação, considerando que nessa proposta estatal há a negação da diversidade étnica entre os cidadãos. E o escopo do Estado/Nação é, por conseguinte, em sua homogeneização de cultura, desprezar os que não aderem a esta proposta e impedir o exercício da autonomia grupal e a preservação de suas próprias culturas.
Há, por parte do Estado, em sua busca por sua manutenção, um processo de monitoramento constante que, para tanto, são instituídas leis, inclusive limitando a chegada de outros povos, a exemplo da discriminação que existe com relação ao imigrante. Portanto e principalmente quando a nação é apenas um ajuntamento de pessoas há necessidade de mobilização ideológica, na busca constante de lealdade e de obediência patrióticas.
E nessa permanente manutenção de homogeneidade há lugar apenas para uma única língua, uma única cultura e a memória histórica é realizada em prol dessa unificação, que nem sempre acontece na prática, tudo na manutenção desse aludido sentimento patriótico, que pode não corresponder à realidade fática.
Assim e no surgimento de uma nação há que se considerarem duas dimensões: a nacionalista e a liberal. O nacionalismo na maioria das vezes era forçado, portanto, belicoso e até mesmo bárbaro, em sua formação, considerando que surge de lutas entre diversos grupos, que isoladamente eram consideradas “minorias éticas”, dentro outros povos.
No nacionalismo o Estado é forte, com pouco ou nada respeito ao sistema democrático, principalmente considerando que há uma pretensão de doutrinação das pessoas, por meio da educação e da conversão e, caso essas propostas não fossem alcançadas, em curto prazo, apelava-se à coerção.
Nessa proposta, a defesa pela manutenção dos grupos étnicos era considerada como crime, colocando os líderes à margem do direito, dado que passavam a ser considerados terroristas, se sujeitando à cadeia, alguns sem o devido processo legal, ou mortos.
Portanto, neste nacionalismo forçado o inimigo era sempre interno. Eram as comunidades étnicas, que não queriam abdicar de seus costumes, bem como também outras comunidades locais, todas consideradas pelo Poder de Estado como suspeitas e seus líderes como potenciais focos de sedição.
A formação liberal da nação, sempre amigável, “sorria a maior parte do tempo, e seu sorriso era convidativo. Mostrava desagrado à vista da coação e aversão à crueldade. Os liberais se recusavam a forçar quem quer que fosse a agir contra seu próprio arbítrio, e acima de tudo se recusavam a permitir que os outros fizessem o que eles próprios (liberais) detestavam: impor a conversão não desejada, pela força ou impedir a conversão, se desejada, também pelo recurso à força.”. (Bauman, Comunidade, p. 84/85, 2003).
Também nesta face liberal da construção da nação não havia guarida para as comunidades étnicas e locais, “forças conservadoras que impediam a autoafirmação e a autodeterminação individual, eram os principais suspeitos e se tornavam os alvos na linha de tiro. O liberalismo acreditava que recusar a liberdade aos inimigos da liberdade e deixar de tolerar os inimigos da tolerância bastariam para fazer com que a pura essência comum a todos os humanos surgisse das masmorras do paroquialismo e da tradição. Não restaria obstáculo a impedir que cada um escolhesse a identidade e objeto de lealdade oferecido a todos.” (Bauman, Comunidade, p.85, 2003).
Portanto, as minorias étnicas e as comunidades locais não foram comtempladas nestas duas dimensões do Estado-nação, considerando que ambas pretendiam que tais comunidades se despissem de suas culturas, de seus modos de vidas, em prol de um Estado unificado, o que, em tempos atuais, é uma agressão a estas pessoas.
E mesmo depois de sua formação, o Estado-nação, quase sempre, se torna nacionalista, cerceando o direito de escolha das pessoas e ditando, rigidamente, normas de condutas, além de criminalizando fatos corriqueiros da vida, desde que, segundo a ótica do líder, aludido Estado é posto em perigo.
E, esse Estado, além de um Poder forte, acaba fazendo alianças com grupos de pessoas, que aderem à proposta nacionalista e defendem este Estado, a qualquer preço, mesmo que para isto vidas humanas sejam ceifadas e a Constituição rasgada, a qualquer momento. Esta aliança espúria entre líder e grupos, geralmente armados, é, por conseguinte, perigoso ao Estado Democrático de Direito. É fascismo puro!
E, as minorias éticas são as que primeiros sofrem com o retrocesso, de um Estado Constitucional para o Estado do mais forte, oportunista, considerando que, conforme dito acima, são consideradas inimigas, por resistir, sempre, ao processo der assimilação, querido sempre pelo Estado autoritário.
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