Antes disso, Igreja não tinha uma condenação veemente da orientação sexual
Tom Holland*
The Tablet
A questão da homossexualidade é uma ferida aberta que a Igreja parece não conseguir parar de cutucar. Cada tentativa de aplicar uma pomada só piora a agonia. A expressão de apoio do papa Francisco às uniões civis de pessoas do mesmo sexo em um documentário recente, longe de fornecer a base para um acordo, apenas aumentou a sensação de uma divisão cada vez maior. Os gays católicos receberam bem as contribuições de Francisco; mas os conservadores ficaram horrorizados. E assim a ferida fica cada vez mais aberta.
Toda a questão fica na sombra de um paradoxo. O ensino católico sobre a homossexualidade é frequentemente considerado uma característica primordial da doutrina, remontando aos primórdios da Igreja. Na realidade, tem menos de dois séculos. Para sermos mais claros, a hostilidade aos relacionamentos do mesmo sexo realmente se classifica como uma característica distintiva das Escrituras Cristãs. Em sua Carta aos Romanos, Paulo colocou homens dormindo com homens e mulheres dormindo com mulheres como pecados semelhantes. Todavia, no contexto da época, o apóstolo estava apontando para algo radicalmente novo.
Nunca antes a categoria das relações entre pessoas do mesmo sexo foi definida dessa maneira: como uma unidade. É a medida de quão nova era a categorização de Paulo e que levou séculos para os cristãos encontrarem uma palavra para ela. A prática foi definida como "Sodomia", e começou a ser amplamente usada no século 11. Significava não o que chamamos de "homossexualidade" hoje, mas qualquer ato sexual desviante. Também pode ser usado para descrever a bestialidade (sexo com animais) ou a masturbação, assim como o sexo anal. "Sodomita", era uma definição como "assassino" ou "adúltero", definindo, não alguém possuidor de uma inclinação inerente, mas alguém que se rendeu ao pecado.
Somente com Darwin isso mudou. O funcionamento da seleção natural dependia da reprodução. Os hábitos de acasalamento dos humanos, então, não eram um campo de estudo menos legítimo do que a reprodução dos pássaros ou das abelhas. Isso – em países menos constrangidos pela sexualidade, assim como o próprio Darwin – cada vez mais fornecia aos cientistas uma licença para investigar os detalhes e a variedade do comportamento sexual dos seres humanos.
Com certeza, em 1869, o escritor de um panfleto sobre as leis morais da Prússia cunhou a palavra Homosexualität como uma abreviação para relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero. Foi então que o termo passou a ser adotado pelo psiquiatra austro-alemão Richard Krafft-Ebing, autor de um imenso estudo sobre o que chamou de "fetichismo patológico". Os "homossexuais", acreditava Krafft-Ebing, eram vítimas justamente desse fetichismo. A homossexualidade, argumentou o psiquiatra, longe de ser considerada um pecado, deveria ser considerada algo diferente: uma condição imutável e mórbida. Como tal, os homossexuais mereciam ser tratados com generosidade e compaixão.
Krafft-Ebing, criado dentro do catolicismo, assumia como certa a obrigação dos cristãos de cuidar dos infelizes. Da mesma forma, o médico presumiu que uma das maiores conquistas da Igreja foi moldar e defender a monogamia conjugal como uma instituição vitalícia. Não foi apesar de acreditar nisso, mas por causa disso, que o psiquiatra passou a defender que os homossexuais podem não estar familiarizados com o que chamou de "as mais nobres inspirações do coração", em comparação com outros casais heterossexuais. Isso o levou a uma conclusão paradoxal.
A prática sexual condenada pela Igreja como sodomia era perfeitamente compatível com o ideal que ele via como a grande contribuição do cristianismo para a civilização: a monogamia vitalícia. A homossexualidade, conforme definida pelo primeiro cientista, tentando uma categorização detalhada dela, não era então um termo puramente científico. Em vez disso, constituiu a união perfeita de dois conceitos profundamente cristãos: o pecado cristão e o amor cristão.
Paulo, ao falar sobre homens que dormiam com homens e mulheres que dormiam com mulheres, pôs em ação uma recalibração da ordem sexual que só finalmente atingiu sua apoteose na era da ciência.
Hoje, as categorias gêmeas de "homossexualidade" e "heterossexualidade" permanecem inexpugnavelmente definidas. A suposição de que sempre existiram é hoje em dia quase universal. Não é de se admirar, então, que os cristãos – divididos entre condenar a homossexualidade como sodomia ou elogiá-la como amor – se encontrem em tais angústias.
A hostilidade aos relacionamentos do mesmo sexo é, de fato, parte da herança bíblica da Igreja. A hostilidade à "homossexualidade", entretanto, não é parte dela. O fato de o casamento gay ter sido legalizado quase exclusivamente em países culturalmente cristãos não é mera coincidência, mas o contrário: uma ilustração de como está profundamente enraizado não só no solo da teologia, mas na história cristã.
Publicado originalmente em The Tablet
Tradução: Ramón Lara
*Tom Holland é historiador, biógrafo e locutor. Seu livro mais recente é Dominion: The Making of the Western Mind.
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