15/11/2021 | domtotal.com
Foi contratado, e já no dia seguinte começou a telefonar para os antigos clientes
Afonso Barroso*
Foi chamado ao Departamento de Pessoal, vulgo Recursos Humanos, e ouviu a sentença fatal: Por decisão da diretoria, o senhor está demitido. Chamar de senhor não era tratamento de respeito, mas de ironia. O motivo, pelo que ouviu do amarra-cachorro, chefe do departamento, foi apenas a "decisão da diretoria", mas ele sabia que havia motivos outros. Não chorou, não lamentou, não reclamou, não questionou. Simplesmente disse OK e foi embora assim que confirmou todos os direitos assegurados.
Dias depois, absorvida a demissão não tão inesperada, procurou uma firma concorrente para oferecer seus serviços. Sabatinado, falou da sua experiência profissional, contou que trabalhara na empresa durante onze anos e se considerava um funcionário exemplar. Nunca faltou ao serviço, trabalhava duro, achava até que proporcionava bons lucros à empresa.
- Então, por que foi demitido?
- Acho que o motivo é o fato de eu ser negro.
- Mas o que importa ser negro, se sabia trabalhar, se era bom funcionário?
- Sei que foi preconceito de cor, e tenho motivos pra pensar assim.
- OK, então me diga o que você fazia na empresa. Ou melhor, o que sabe fazer.
- Eu sei trabalhar com o que a sua empresa faz. Eventos. Tenho clientes fiéis.
- Quantos clientes tem?
- Vários.
Quando o pretendente negro respondeu que eram seus vários clientes da concorrência, o inquiridor recebeu a informação com algum ceticismo, mas não disse nada.
Nesse momento o neguinho resolveu expor o motivo da demissão: é que ele se apaixonara pela filha do patrão, e vice-versa. E foi esse vice-versa que determinou a decisão da empresa, ou melhor, do dono da empresa, de dispensá-lo.
- O patrão não suportava que a filha fosse namorada de um crioulo. Simplesmente isso.
Foi contratado, e já no dia seguinte começou a telefonar para os antigos clientes. Cada enxadada uma minhoca, raciocinou com seu linguajar interiorano, expressão típica da sua terra, São José do Jacuri. Cada enxadada era um telefonema, e cada minhoca um cliente conquistado para a empresa que acabava de contratá-lo. As organizações que ele tinha como clientes fiéis eram de setores diversos. Universidades. Serviço público. Federações. Sindicatos. Associações de classe. Todas contratavam buffets para suas festas tradicionais.
O resumo da história é que os melhores clientes da empresa onde trabalhara durante anos começaram a migrar para a firma que o acolhera sem se importar com a cor da pele. Dedicou-se ao trabalho com empenho, agradecido por ter sido recebido sem o menor sinal de preconceito.
O novo patrão e sua diretoria se surpreenderam e se entusiasmaram com a eficiência, os relacionamentos e a simpatia do crioulinho. Todos se deixaram seduzir pelo novo funcionário.
E mais do que todos, uma garota linda e loura. Filha do patrão.
*Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente do Dom Total. O autor assume integral e exclusivamente responsabilidade pela sua opinião.
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Engenharia Cívil, Ciência da Computação, Direito (Graduação, Mestrado e Doutorado).