08/01/2021 | domtotal.com
Atitudes durante a guerra do vírus
Fernando Fabbrini*
Erik Larson, em seu último livro O esplêndido e o vil, conta os primeiros anos da Segunda Guerra com enfoque no sofrimento do povo inglês; no dia-a-dia de homens e mulheres comuns, na extenuante rotina de cidadãos mergulhados num inferno.
As tropas de Hitler invadiram os países vizinhos num furor que ninguém imaginara. E, de repente, a Inglaterra tornou-se a próxima vítima – acuada, amedrontada, com um exército estropiado e menos de uma centena de aviões antiquados para defendê-la.
Forçando uma rendição britânica, durante 57 noites consecutivas de 1940, a Luftwaffe despejou toneladas de bombas sobre Londres. Sem faltar um só dia, foram quase dois meses de terror ao som das sirenes e das explosões. Pairava ainda o medo de gases venenosos e o de uma provável invasão da ilha.
Muitos se refugiavam nos túneis dos metrôs. Nos abrigos subterrâneos construídos para as famílias amontoavam-se beliches de três andares nos quais a distância entre cada leito não chegava a dois palmos. Retirar o estrado do meio reduzia um pouco a sensação de sufocamento. Tão próximas as cabeceiras que pés encostavam em pés estranhos; cabeças em cabeças anônimas. Pulgas e piolhos grassavam. Nas camas estreitíssimas, mães ajeitavam seus bebês sobre as próprias barrigas durante o sono. As privadas coletivas eram baldes disfarçados atrás de cortinas imundas. O volume de cadáveres, após os bombardeios, frequentemente era tão alto que tornava impossível enterros individuais; só valas comuns.
Foram cinco anos assim: penúria, restrições, fome, morte – e medo de morrer. No entanto, o povo resistiu, encheu-se de brios, lutou e alcançou a vitória. Nos adultos, nos jovens e crianças, a coragem, pouco a pouco, se sobrepôs ao pânico. E isso foi decisivo.
Dr. Mark McDonald é médico psiquiatra infanto-juvenil de Los Angeles. Após atender centenas de crianças desde o início de 2020, ele vem alertando para uma questão gravíssima. "As crianças estão aterrorizadas, imobilizadas, deprimidas". E cita a frase inspiradora que mobiliza as pessoas em momentos críticos: "antes, não tínhamos nada a temer, exceto o medo. E como foi que nós, adultos, enfiamos naquelas cabecinhas coisas como 'Oh! Nós precisamos temer''; o medo é bom'; 'o medo é obrigatório'... Ou, pior: 'o medo é uma virtude'?".
É necessário repensar nossas atitudes durante a pandemia e, acima de tudo, que tipo de mensagens pessimistas estamos replicando por aí. Não se trata, absolutamente, de menosprezar ou ironizar o problema, mas de saber encará-lo. Pois seja qual for o desafio que enfrentemos – uma entrevista de emprego, uma prova de vestibular, um discurso em público, uma simples disputa esportiva – encolher-se, tremer nas bases e acovardar-se só leva ao fracasso.
Alguns sites jornalísticos e da área de saúde exibem o total de recuperados – uma média de 89% dos infectados – informação importante e sobretudo honesta. Já outros preferem valorizar apenas os números de mortos, excluindo, de propósito, o de curados. Infelizmente, a pandemia virou um caso de política e também externou o sensacionalismo perverso e interesseiro de alguns. Celebridades contaminadas ganham manchetes diárias, como se a saúde delas fosse mais importante que a sua ou a minha. O mau-caratismo não tem limites e vai contribuindo para o baixo-astral reinante em certos grupos. No entanto, O Brasil superou ontem (quinta, dia 7/01) a marca de 7 milhões de pessoas curadas – 97,24% do total de casos encerrados.
Cuidados, sim; vamos tomando-os como de praxe até a chegada de vacinas confiáveis e/ou o alcance da imunidade estatística. Mas dessa epidemia de pavor e insanidade coletiva já deveríamos estar vacinados há tempos.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas às sextas-feiras no Dom Total
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