Sem as mulheres, inúmeras comunidades eclesiais sequer teriam a realização de alguns ritos religiosos
Felipe Magalhães Francisco*
Não é nenhuma novidade que mulheres são maioria – largamente – nas fileiras eclesiais. O catolicismo é uma religião androcêntrica: apenas homens podem ocupar posições hierárquicas. Elas acabam não ocupando, também como consequência disso, lugares de decisão no andamento pastoral e vivencial das comunidades de fé. Mas, sem as mulheres, certamente em inúmeras comunidades, nem a realização dos ritos aconteceriam: elas estão servindo em todas as frentes, exceto nas posições de autoridade e hierarquia.
No serviço litúrgico, animam as comunidades, cantam, acolhem, proclamam a Palavra, dispensam a eucaristia – inclusive aos enfermos, em suas casas e hospitais –, e até mesmo presidem celebrações da Palavra, nas inúmeras comunidades que não têm a possibilidade de celebração eucarística dominicalmente. São verdadeiras ministras. Mas, oficialmente, não eram reconhecidas como tal. Canonicamente, ministérios instituídos – leitorado e acolitato – só eram conferidos a homens. Isso até o dia 11 de janeiro de 2021.
Na perspectiva de uma Igreja sinodal, o papa Francisco acolheu o ecoar de um desejo legítimo: reconhecer, institucionalmente, o papel das mulheres na vida eclesial. Ao mudar o cânon 230 do Código de Direito Canônico, suprimindo a expressão "do sexo masculino", uma grande transformação eclesial e pastoral é realizada. O que mais desponta ao olhar é a perspectiva de que, a partir de agora, mulheres são oficialmente instituídas como leitoras e acólitas, assumindo o papel não apenas confiado: uma vez instutídas como leitoras e acólitas, não o deixarão de ser.
A expressão "do sexo masculino" era problemática não apenas do ponto de vista do gênero, que excluía mulheres do ofício tão importante da proclamação da Palavra, mas também, na prática, restringia a instituição desses ministérios apenas a seminaristas, que estavam no processo de assumir as ordens sacras. A exclusão da referida expressão devolve, para a prática eclesial, uma perspectiva litúrgico-teológica importante: é papel dos batizados e batizadas o serviço da proclamação da Palavra de Deus, tanto na vida cotidiana, quanto nas ações litúrgicas que sustentam a fé da comunidade.
Reconhecer, institucionalmente, como rito oficial, o serviço legítimo de mulheres na vida eclesial é mais que simples aceno de acolhida ou de reparação histórica. É uma possibilidade importante de ressignificação da concepção ministerial na vida da Igreja. Nesse momento histórico em que a Igreja vive, dedicamo–nos a refletir sobre isso, neste Dom Especial. Lorena Alves Silveira propõe o primeiro artigo, Igreja batismal é Igreja ministerial, no qual reflete a respeito da ministerialidade que constitui o próprio ser Igreja, como associação ao sacerdócio do próprio Cristo. O segundo artigo é de Tânia Mayer: Ouvir o que o Espírito diz à Igreja, em que reflete sobre o significado teológico-pastoral da mudança proposta por Francisco. Por fim, Teófilo da Silva reflete, no artigo Bases eclesiais: lugares de inícios de mudanças, sobre a força das transformações que acontecem nas igrejas particulares, onde a vida eclesial de fato pulula, e sua incidência nas mudanças institucionais.
Boa leitura!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
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